31 de outubro de 2010

Uns mapas que dão muito jeito



Fui esta manhã ver o site do livro Campos de Odelberon, quando me deparei com uma série de mapas e um glossário que tanto jeito fazem ao ler o livro. Eu acho que vou mandar encadernar estas pequenas grandes ajudas. 



Site oficial - Campos de Odelberon
Ficheiros em PDF:
- Mapas
- Glossário  


Mudanças

O dia começou como era normal. Com todos os rituais matutinos completos e então parti para a minha viagem também ela habitual.
Caminhando pelas ruas de Lisboa, senti a brisa que envolvia o dia quente. Abstrai-me do mundo, tal como fazia todos os dias. Caminhei, pensando nas próximas horas onde teria de estar fechado no escritório, sem nada divertido para fazer. Mas assim é o mundo e a diversão vai ficando perdida nas memórias de anos passados.
Os meus passos eram cansados e irregulares. Cansados pela falta de vontade e de café e irregulares pela maldita calçada portuguesa. Parei junto a uma tabacaria, com a curiosidade normal de ver os títulos dos jornais. Contemplando também o meu reflexo, vi algumas rugas a aparecer nos cantos dos olhos. A idade já não perdoa. Os meus olhos castanhos tinham perdido a curiosidade natural e o brilho que outrora tanto sucesso tinha tido. As entradas que agora surgiam tornavam surreal a memória de alguma vez ter possuído uma farta cabeleira castanha. Ainda assim, pensei, nada mau, para um tipo com quarenta anos.
Retomei a minha viagem, e parei junto à passadeira, o sinal estava vermelho. Por um momento, apenas um me deixei absorver pelo mundo que me rodeava. Vi um jovem, no máximo nos seus dezasseis anos. Não olhou para o sinal, atravessou a estrada. Não sei explicar o que senti, corri. Lembro-me de o ter empurrado e depois, depois nada.
Senti-me a acordar, ao início estava entorpecido. Mas depois, nunca me tinha sentido assim. Uma energia quase sobrenatural tomava conta de mim. Olhei então à volta e senti-me perdido. Lisboa com o peso do passado tinha desaparecido. Estava agora numa gigantesca planície, parecia não ter fim. Relembrava-me algo, mas não sabia onde tinha visto tal paisagem.
Senti então o aroma pela primeira vez, cheirava a manteiga derretida na frigideira. Sempre tinha sido o meu cheiro favorito, desde miúdo. Sorri, com genuína vontade. Algo em mim parecia dividido, estava precisamente no que parecia ser o meio da planície.
Segui para sul, sempre tive uma paixão secreta pela palavra sul. Mas como sabia eu que aquele lado era o sul? Não sabia, mas acreditava que sim. Iniciei então, mais uma vez, a minha viagem. Depois de ter caminho durante o que me pareceu horas, vi ao longe uma mansão branca. O estranho é que sendo esta uma planície enorme e a mansão genuinamente gigantesca, como não a tinha visto antes? Naturalmente segui viagem até à porta da mesma. Bati à porta e entrei.
- Olá! Está alguém? – Perguntei com boa educação.
O que me surpreendeu foi que apesar de ter visto uma gigantesca mansão, o interior desta era um pequeno quarto com uma porta. Limpo, com um aroma a canela. Uma mesa e duas cadeiras completavam o cenário. A porta abriu-se.
- Senta-te – Pediu um velho que entrou na casa.
Assim o fiz.
- Sabes porque estás aqui? – Perguntou ele
- Provavelmente é efeito das drogas no hospital – respondi estranhamente agastado contra o velho.
- Longe disso meu amigo. Estás aqui por ser parte do teu caminho. – Referiu com um sorriso brilhante.
- Caminho? Qual caminho? – Perguntei, agora curioso
- O que todos devemos fazer. – Respondeu sem fazer qualquer sentido.
Nesse momento o velho levantou-se da sua cadeira, e onde antes estava a porta, surgiu agora uma cómoda. Abriu uma das gavetas e retirou um embrulho.
- Abre – disse enquanto me entregava um pacote – É o teu bilhete de entrada.
Abri e dentro estava uma echarpe de uma cor fantástica. Azul misturada com verde. Nunca tinha visto tal cor, mas passou a ser a minha preferida. Quando voltei a olhar para cima, estava de novo na planície.
A casa e o velho já não estavam lá, ou talvez eu já não estivesse. Continuei a caminhar segurando o pacote. Estava com sede, não me tinha apercebido disso antes, mas tinha sede.
Ao longe, pareceu ter visto algo em movimento. Caminhei até lá. Vi um mar de um cor-de-rosa infantil. As ondas possuíam uma beleza indiscritível para os meus olhos. Quando me aproximei, a água perdeu a sua cor, tornou-se num espelho do mundo. Estranhei, mas não mais do que a casa desaparecida. Ajoelhei-me ao pé da água, curioso para sentir a sua temperatura. Quando a encarei, o meu rosto tinha desaparecido. Era agora uma cara animalesca, melhor dizendo, focinho. Comprido, peludo. Tinha duas cores predominantes, o preto e o branco separados por riscas. Assustado fechei os olhos, e levei um pouco de água à cara. Focinho. Senti a frescura desta e o seu gosto doce na boca. Será que era um rio? Mas então como tinha ondas? Nada disto fazia sentido. Abri os olhos e voltei a colocar as mãos na água. Onde antes tinham estado as minhas mãos experientes e calejadas, estavam agora garras, afiadas. Senti-me um animal, parecia um animal.
Desesperado quis correr, e corri. O mais depressa que podia. Pelo caminho coloquei as mãos que já não o eram no focinho onde antes tinha a cara. Nada tinha mudado. Os cheiros assumiam agora uma experiencia totalmente nova.
Enquanto corria, pareceu-me ver um acampamento perto de uma qualquer construção. Corri para lá. Saltando com uma agilidade, agora, animal por cima de várias pedras e ruinas de uma antiga casa, conseguia sentir o chão verdadeiramente áspero. Todos os meus sentidos estavam apurados. Quando cheguei perto do acampamento, fiquei abismado com o que vi. Estavam quatro lagartos gigantes e humanóides a beber chá. Sentados à volta de uma mesa que também não me era estranha, bebiam com os humanóides dedos esticados como qualquer tia de Cascais. As quatro cabeças se voltaram-se para mim.
- Queres chá? É fresco! De mentol! O teu favorito. – Perguntou um deles
- Não. Só quero saber o que faço aqui – supliquei
- Fazes a tua viagem – respondeu outro dos lagartos
- Que viagem é esta? E porque raio sou agora um animal? E como é que os lagartos bebem chá? – Parecia louco enquanto perguntava tudo isto
- Bebemos chá porque não gostamos de café – respondeu ofendido o terceiro lagarto a falar – É a viagem que todos temos de fazer – completou
- E porque pareço um animal? – Insisti
- Porque tens espírito de um. Ratel mais propriamente. – Respondeu o último dos lagartos
- Só quero saber como acabo esta viagem – pedi
- Na torre – responderam os quatro – Mas para lá chegares, tens de vencer um de nós. – Avisou o lagarto
- Vencer? Do que raio estão vocês a falar? – Perguntei, sentindo-me estúpido e drogado por estar a falar com lagartos.
- Eu sou a Desilusão. Os meus irmãos são a Cólera, Medo e Traição. – Apresentou-se e aos seus irmãos o primeiro dos lagartos que tinha falado comigo – E o Medo já te escolheu.
Sem mais qualquer palavra ou oportunidade de perguntas, o lagarto agora conhecido por Medo, atacou. Fui violentamente espancado, sem nunca perceber o que se estava a passar. Aos poucos comecei a responder, algo dentro de mim me impelia a continuar, a nunca desistir. A força deste animal povoava agora a minha alma. Já não havia medo. E foi aí que percebi. Tinha medo de perder e não puder completar a minha viagem. Como tal sabia a resposta.
- Rendo-me – Declarei – Ficarei aqui com vocês pois esse é o meu maior medo.
- Palavras sábias – Disse Cólera – Venceste o novo medo dentro de ti, podes passar. – Disse apontando o caminho para uma ponte.
Atravessei a ponte e encontrei uma cabana. Entrei. Sorri com a diferença para a mansão. Esta cabana era enorme por dentro, tinha várias portas e escadas e possui duas cores apenas. Preto e branco.
- Trazes o bilhete? – Perguntou uma voz atrás de mim
Virei-me e vi uma criança, em tudo normal. Menos nos olhos. Ambos possuíam espirais giratórias, como daquelas que se olharmos muito tempo ficamos zonzos. Um tinha fundo branco e riscas negras e o outro era o oposto.
- Sim tenho. – Disse enquanto entregava o pacote que o velho me tinha dado – bilhete para onde? – Perguntei curioso
 - Para o destino que te for dado. – Respondeu. Era difícil perceber se olhava para mim ou através de mim.
- Tudo em ordem, podes seguir. Sobes a escada à tua direita e entras na segunda porta vermelha. Não na azul! – Disse enquanto se afastava atarefado
Assim fiz como me foi dito, quando acabei de subir as escadas, passei as mãos pelo cabelo, surpreendido de já não ser um Ratel. Já gostava daquela estranha forma. Fui em direcção à porta, tendo olhava para a azul com uma mórbida curiosidade. Algo me tentava, mas sabia que não era esse o meu destino. Abri a porta.
- Mãe ele está a acordar! – Ouvi o meu irmão muito ao longe – Já saiu do coma.

Por: Miguel Brito

29 de outubro de 2010

Os Pilares da Terra

O livro "Os Pilares da Terra" da autoria do galês  Ken Follett foi adaptado para uma mini-série.
Pode ver mais informações e trailers no site oficial "The Pillars of the Earth".


Amaldiçoado

O amaldiçoado continuava a sua viagem. Trajava um longo manto negro que cobria o seu rosto putrefacto. Quem o visse podia simplesmente confundi-lo com a morte. A maior diferença subsistia no verde-esmeralda que os seus olhos irradiavam.
Com o cajado que auxiliava a subida do monte, entre a erva que lhe toldava os movimentos ao vento que o empurrava de volta, pensava no objectivo final. Era isso que importava. Ao fundo a primeira cidade que via em duas semanas de caminho cansativo.
Aproximou-se das portas da cidade, e foi ignorado pelos guardas que já conheciam a lenda do amaldiçoado. Ninguém falava com ele a menos que fosse estritamente necessário.
Sentiu, como sempre, o poço dos desejos. Caminhou até ele. O pequeno tanque tinha pouca água e poucas moedas. Tinha musgo no fundo e a sua cor era turva. Escolheu a moeda mais valiosa. Era o seu ritual, quanto mais tivesses dispostos a pagar por um desejo maior o seu direito era ao mesmo. Recuperou a moeda, aperto-a e desapareceu.
Encontrou um jovem sentado num muro. Quando alguém era seleccionado pelo amaldiçoado era levado para o seu lugar feliz. Lá seria feita a proposta, a recolha e o pagamento.
- O que desejas rapaz? – Perguntou o amaldiçoado ao jovem de cara simples e bonita.
- Desejo ser outra pessoa. Porque me procuras amaldiçoado? – Respondeu e perguntou o jovem.
- Porque o teu desejo é valioso. Porque tu queres algo e eu preciso de algo. – Respondeu honestamente o amaldiçoado
- Quero ser uma mulher.- Respondeu o jovem.
- Desculpa? Em tantos anos que percorro estes caminhos, nunca ninguém me pediu tal coisa. Posso perguntar qual o motivo de tamanho desejo? – Questionou o caminhante
- Porque o amor é uma coisa complicada. Porque amo um homem e não uma mulher. Porque ele me vê como um amigo de farras e me fala das suas conquistas. Porque o quero amar e ser amado. – Respondeu soluçando o jovem.
- Confesso que não compreendo. Mas um desejo é um desejo. – Afirmou o amaldiçoado
Retirou da sua bagagem uma espécie de funil com tampa. Entregou o estranho objecto ao jovem.
- O preço é o último grito de um homem apaixonado. Grita com todas as tuas forças. – Exigiu o amaldiçoado
A proposta foi feita, a recolha foi feita. O pagamento produziu no que antes era um jovem simples e bonito, uma mulher linda. Cabelos castanhos, olhos castanhos. Sorriso doce e afável. Tudo o que ele, agora ela queria. Mais um cliente satisfeito.
A viagem continuou. Atravessou a floresta fresca, convivendo com animais e plantas. Naquele lugar especial não era temido nem odiado.
A próxima cidade chegou mais rápido do que esperava. Sabia que ainda teria mais uma paragem antes do objectivo final estar conseguido. Estes desejos estavam a correr bem. Já tinha quase tudo o que precisava. Avançou até ao poço dos desejos em tudo semelhante ao anterior, escolheu a moeda mais cara e desapareceu.
Ficou admirado quando viu um urso sentado ao pé de um rio. Felizmente tinha a capacidade de falar com os animais. Caso contrário estaria preso até poder realizar o desejo.
- Explica-me o que faz um urso a atirar moedas para um poço de desejos? – Exigiu o amaldiçoado
- Eu não sou um urso. Bem sou mas nem sempre o fui. Antes era um homem, era bonito, rico e poderoso. E para meu azar despedacei o coração de uma bruxa. Transformou-me em urso. – Contou o urso que já tinha sido homem.
- Então queres voltar a ser humano certo? É fácil. – Disse o amaldiçoado
- Não! Os ursos têm mais sorte! Fazem sexo mais vezes, lutam mais vezes e passeiam na floresta. O problema é a concorrência. Quero ser diferente. – Disse o urso
- O que queres na verdade? Cinco patas? – Ironizou o caminhante, pensando no quão estúpido teria sido enquanto humano, aquele urso.
- Quero ser cor-de-rosa. As miúdas gostam. Espero que as ursas também. – Disse o urso enquanto lambia as patas.
- O preço é pelo de animal extinto por vontade própria. – Avisou o amaldiçoado
O caminhante retirou uma tesoura especial da sua bagagem. Pegou num frasco fusco e cortou alguns pelos ao urso. Prontamente guardou os mesmos e viu o urso ganhar uma cor rosada. “Não hás-de durar muito, vais ficar bem numa cabana de caçadores” pensou o homem dos desejos.
Seguiu o seu caminho, sempre de olhos no destino final, no objectivo.
Atravessou a estrada velha e poeirenta que conduzia ao centro do reino. Uma paragem antes e provavelmente com alguma sorte estaria acabada a missão.
Ao entrar na pequena cidade, foi rapidamente para o poço dos desejos. Olhou durante muito tempo para as moedas, por fim lá escolheu uma. Feito o processo do costume, desapareceu.
Numa enorme planície circundante à cidade, encontrou uma jovem sentada num tronco de uma árvore. Estava sentada a olhar para o céu.
- Qual é o teu desejo? – Perguntou o caminhante.
- Quero ser bonita. Quero ser especial. Quero ser recordada. – Disse a jovem
O amaldiçoado percebeu o desejo da jovem. Era a mulher mais feia que tinha visto até hoje. Os seus cabelos loiros eram fracos a apresentavam muitas falhas. Os olhos tinham um azul bonito, mas tinham vontade própria, apontando sempre em direcções diferentes.
- Queres ser a mulher mais bonita da cidade? É fácil tudo o que preciso - Dizia o caminhante até ser interrompido
- Não! Quero ser diferente. Queria ser um arco-íris. Nem que fosse por um dia. Queria que todos olhassem para o céu e admirassem a minha beleza. – Disse envergonhada a jovem
-Mas assim não irás viver. Durarás um dia apenas. – Argumentou o caminhante
- É o meu desejo. O que tenho de pagar? – Perguntou a jovem.
- Nada. Depois recebo o meu pagamento. Vou fazer de ti o mais belo arco-íris de sempre. – Prometeu meio comovido o amaldiçoado.
E assim surgiu nos céus do reino o mais belo arco-íris de sempre. As suas cores possuíam uma beleza indiscritível. Ninguém olhou para o céu sem abençoar o dia em que viu aquele milagre. O amaldiçoado caminhou até à ponta inicial do arco-íris, escavou um pouco e retirou uma moeda de ouro do pote que lá estava. Guardou a moeda num recipiente estranho com forma de cubo.
Assim continuou a viagem até à cidade principal do reino. Ao entrar olhou para o castelo, nostálgico. Estava quase no destino. Encontrou a porta que procurava, abriu. Encontrou o seu velho mestre.
- Já tenho tudo o que preciso. Fazes a poção ainda hoje? – Perguntou o amaldiçoado
- Ainda insistes em tornar possível o teu amor pela rainha? Tu estás morto e condenado a percorrer a terra em busca de ingredientes para as minhas poções, achas que é o tipo de vida que a rainha quer? – Perguntou e argumentou o velho mestre.
- Não me importa o que ela quer. Fui condenado por amar a mulher do rei. Impossível dizem. Mas ela também me amou. E sei que irá escolher caminhar comigo pela terra a definhar sozinha naquele palácio. – Disse o caminhante com os olhos verdes pregados no chão.
Assim o mestre fez a poção, e o caminhante bebeu. Podia sentir cada um dos desejos que tinha concedido para estar perto do seu sonho. O objectivo. Quando acabou de beber, os sinos da igreja tocaram. O povo soube que tinha morrido um membro da família real. Será que ela iria compreender a sua escolha? Se não o fizesse seria complicado. Mas nada que outra poção não resolvesse.


Por: Miguel Brito

Nova edição do livro "Leões de Al-Rassan"



A nova edição tem um prefácio do autor e o mapa que falta me fez na outra edição.
Este livro tem a minha recomendação! Estou desejando que saía o livro "Tigana", porque este escritor é simplesmente formidável.


Sinopse:




Uma aventura elegantemente escrita e bem trabalhada... tão rápida e ritmada como pensativa.

Imagine uma Península Ibérica de fantasia, durante o período sangrento e apaixonante da Reconquista, onde realidade e fantasia se entrelaçam numa história poderosa e comovente.

Inspirado na História da Península Ibérica, Os Leões de Al-Rassan é uma épica e comovente história sobre amor, lealdades divididas e aquilo que acontece aos homens e mulheres quando crenças apaixonadas conspiram para refazer – ou destruir – o mundo. Lar de três culturas muito diferentes, Al-Rassan é uma terra de beleza sedutora e história violenta. A paz entre Jaddites, Asharites e Kindath é precária e frágil, mas é precisamente a sombra que separa os povos que acaba por unir três personagens extraordinárias: o orgulhoso Ammar ibn Khairan – poeta, diplomata e soldado, o corajoso Rodrigo Belmonte – famoso líder militar, e a bela e sensual Jehane bet Ishak – física brilhante. Três figuras cuja vida se irá cruzar devido a uma série de eventos marcantes que levam Al-Rassan ao limiar da guerra.

28 de outubro de 2010

Viagem

Acordei sobressaltado. Com a respiração ofegante e o corpo húmido do suor, não conseguia tirar da minha mente o maldito sonho. Ou pesadelo. Com a noite já perdida sabia o que tinha de fazer. Levantei-me e ao espelho escovei os longos cabelos loiros, vesti uma túnica verde para contrastar com o negro dos meus olhos. Dirigi-me à biblioteca, se o sábio estivesse em algum lugar do palácio, seria ali.
Ao entrar no recanto mais calmo do castelo fiquei, como sempre, abismado com a sua beleza. As pedras de mármore que serviam de chão possuíam um padrão que parecia aleatório mas, que tinha os seus segredos. Mas hoje não ia em busca deles. As estantes repletas de livros perfumavam o ar com o seu cheiro a folha antiga e sabedoria acumulada. Como gostava daquele cheiro. Ao fundo ouvi páginas a serem viradas, e tive a certeza que tinha encontrado quem procurava.
- Velho sábio, boas noites – Interrompi delicadamente a sua leitura.
- Boas noites meu príncipe – Respondeu o velho.
- Tive de novo o mesmo pesadelo. A cobra volta para me matar. Já não consigo dormir uma noite seguida. – Confessei, atrapalhado.
- O príncipe sabe que eu só respondo às perguntas. Não foi feita nenhuma. Não há resposta a dar. – Respondeu entretido com as páginas do seu livro.
- Quero saber o significado da vida. Tenho a certeza que o último bibliotecário de Alexandria sabe a resposta. O famoso Mahatma. O velho que em jovem viu mundos sem fim e sabe todas as respostas. – Disse, quase exigindo uma resposta.
- A isso já lhe posso responder. Em Alexandria não havia o segredo para o significado da vida. Mas príncipe,prepare uma viagem apenas com alguns mantimentos. Leve esta garrafa azul com o néctar dos deuses. Quando souber a resposta beba um gole e estará novamente perante este seu velho servidor. – Desafiou-me o bibliotecário.
Assim fiz o que me fui sugerido. Numa pequena trouxa reuni alguns mantimentos, saí escondido da cidade sem comunicar nada ao rei. Sabia que me ia tentar impedir, assim ganhava algum tempo. E então começou a minha viagem.
Caminhei duas semanas por entre estradas poeirentas e secas e planícies verdes e frescas. Bebi água doce nas margens de rios de um profundo azul e dormi sobre a protecção de árvores que pareciam dançar ao sabor do vento. Ao fim dessas duas semanas ao longe avistei uma vila. Pensei que ali estaria o significado da vida.
Logo à entrada, um pequeno homem possuía uma bancada parcamente preenchida com alguns livros. As capas velhas e queimadas chamaram à minha atenção. Não que os livros me fossem desconhecidos, já os tinha visto na nossa biblioteca, mas porque a história destes parecia muito mais interessante. Assim chamei o vendedor.
- Meu bom homem, qual é a origem destes livros. – Perguntei educadamente.
- Senhor são as mais belas relíquias de Alexandria. Antes dos bárbaros a terem queimado claro está. Se Não vir o que procura diga que aqui o Abhay encontra tudo. Conheço alguns comerciantes do norte que possuem algumas verdadeiras maravilhas. Não para o homem comum mas para alguém do seu porte senhor. – Respondeu o bom vendedor
- Procuro o livro que me diga o significado da vida. – Disse com tremenda honestidade.
- Meu senhor o significado da vida não se encontra num livro. Mas sim no ar que respiramos e na água que bebemos. – Respondeu com um sorriso o vendedor
Irritado com tamanha falta de respeito, abandonei a banca dos livros. Quem era o desgraçado para me dizer o que era o significado da vida? Devia mandar que lhe cortassem a cabeça. Assim continuei a minha viagem.
Subi as montanhas proibidas enfrentando uma tempestade de neve como há muito não se via. Descansei perto dos ninhos das águias e alimentei-me das minhas parcas provisões. Para dormir procurava uma qualquer gruta abandonada por um urso após a hibernação. O inverno terminou, e com a primavera chegou a segunda vila que visitei. O ar estava repleto com polén das flores. Sempre fui alérgico e não parava de espirrar. No meio de um ataque de espirros, senti um encontrão. Rapidamente me senti mais leve e percebi que tinha sido assaltado. Olhei em redor e vislumbrei o meu alvo. Um jovem com sorriso traquina e longos cabelos vermelhos tentava esconder o seu olhar expectante face às conclusões desta sua vítima. Com o treino que tinha, parti em perseguição ao rapaz. Correndo em direcção à floresta, saltamos sobre vedações e deitamos abaixo vários troncos de um ferreiro. Os gritos de ameaça que o homem furiosamente soltava fizeram com que sorrisse enquanto perseguia o ladrão. Há muito tempo que não me sentia tão vivo. Felizmente o desgraçado escorregou. Com o chão irregular da floresta, escondido perante as lindas flores púrpuras o jovem não pode ver a pedra em que tropeçou.
- Ladrão! – Gritei – Devolve-me as minhas provisões ou considera-te um homem morto. – Ameacei
- Tenha calma amigo. Desculpe. É que tinha fome e o senhor não me parece ter problemas em conseguir mais comida. – Confessou o jovem
- Como te chamas rapaz? – Perguntei interessado
- Ajala o carteirista. – Respondeu orgulhoso.
- Carteirista? O que é um carteirista? – Perguntei ainda meio confuso
- Oh, sabe é o mesmo que um ladrão. Mas como nunca magoei ninguém, as pessoas inventaram um nome para mim. Também não sei o porquê de carteirista. Mas prefiro isso a Ajala o ladrão. – Respondeu embaraçado.
Confesso que me senti tocado por aquele jovem, depois de uma tamanha perseguição, fazia jus ao seu nome e nunca me tentou atacar. Acabei por partilhar uma conversa e uma parte do meu jantar.
- Procuro a resposta para o significado da vida. – Conclui a minha história
- Meu senhor o significado da vida é simples. Está no fogo que nos aquece e na terra que nos abriga. – Respondeu com um sorriso.
Mais uma vez fiquei irritado e sem uma palavra retirei-me. Quem julgava que era aquele ladrãozito para saber o significado da vida e eu, um príncipe andava à procura da resposta. Assim continuei a minha viagem.
Passados alguns dias, seguindo pela estrada do rei, vislumbrei uma jovem. Achei estranha a forma como se vestia, parecia um rapaz. Mas mesmo ao longe as suas formas femininas e os seus cabelos ondulados não escondiam a sua identidade. Aproximei-me dela por julgar que não era um lugar para uma jovem caminhar sozinha.
- Olá minha senhora. Posso fazer-lhe companhia durante a sua viagem? – Perguntei com todo o respeito.
- É claro que pode. Sei quem é. É o príncipe herdeiro. Já estive num dos seus famosos bailes. – Respondeu com um sorriso pateta. Os seus olhos castanhos possuíam um brilho inteligente e a sua cara dava mostras de uma vontade de ferro. – Sou filha dos duques de Arisp. Mas estou numa demanda pela minha felicidade, contra a vontade dos meus pais, é claro.
- Procuro a resposta para o significado da vida. – Acabei a minha história.
- Meu príncipe a resposta para o significado da vida é simples. É ter a liberdade para seguir os nossos desejos. – Respondeu com um sorriso sábio.
Nesse momento não senti raiva nem irritação. Tinha percebido a resposta. Despedi-me da jovem, desejando sorte na sua demanda. Convidei-a sempre que quisesse para aparecer no palácio, seria uma convidada de honra. Senti-me à beira de uma árvore e de olhos fechados bebi o néctar dos deuses. O mundo deu voltas e voltas e quando tive coragem de voltar a ver o que me rodeava, estava na biblioteca com o sábio.
- Então meu senhor, já descobriu o significado da vida? – Perguntou curioso o sábio.
- Descobri. A vida não possui um único significado, mas sim tantos quantos aqueles que a disfrutam. Sei que a minha busca seria eterna pois cada pessoa que visse teria uma resposta diferente à aquela que procuro. Procurava o significado da vida e o que encontrei foi uma viagem fantástica. Respirei o ar, bebi a água, aqueci-me perante o fogo e abriguei-me na terra. E fui livre. O significado da minha vida é a aventura que escolho viver. – Respondi convicto perante o acenar orgulhoso do velho sábio.

Por: Miguel Brito

Criaturas Maravilhosas


Sinopse


"Lena Duchannes é diferente de qualquer pessoa que a pequena cidade sulista de Gatlin alguma vez conheceu. Ela luta para esconder o seu poder e uma maldição que assombra a família há gerações. Mas, mesmo entre os jardins demasiado crescidos, os pântanos lodosos e os cemitérios decrépitos do Sul esquecido, há um segredo que não pode ficar escondido para sempre.
Ethan Wate, que conta os meses para poder fugir de Gatlin, é assombrado por sonhos de uma bela rapariga que ele nunca conheceu. Quando Lena se muda para a mais infame plantação da cidade, Ethan é inexplicavelmente atraído por ela e sente-se determinado a descobrir a misteriosa ligação que existe entre eles.
Numa cidade onde nada acontece, um segredo poderá mudar tudo.
"

Opinião - "Sonho Febril"




Sinopse:

Venha conhecer a lenda do Fevre Dream e a sua jornada inesquecível pelo grandioso rio Mississípi
Rio Mississípi, 1857. Abner Marsh, respeitável mas falido capitão de barcos a vapor, é abordado por um misterioso aristocrata de nome Joshua York que lhe oferece a oportunidade única de construir o barco dos seus sonhos. York tem os seus próprios motivos para navegar o rio Mississípi, e Marsh é forçado a aceitar o secretismo do seu patrono, não importando o quão bizarros ou caprichosos pareçam os seus actos. Mas à medida que navegam o rio, rumores circulam sobre o enigmático York: toma refeições apenas de madrugada, e na companhia de amigos raramente vistos à luz do dia. E na esteira do magnífico barco a vapor Fevre Dream é deixado um rasto de corpos... Ao aperceber-se de que embarcou numa missão cheia de perigos e trevas, Marsh é forçado a confrontar o homem que tornou o seu sonho realidade.

Opinião:


Este livro é da autoria do meu escritor favorito George R.R. Martin, o criador das Crónicas de Gelo e Fogo. Sonho Febril foi escrito antes da recente febre dos vampiros, e por isso gosto muito mais das descrição destes vampiros maldosos e impiedosos  em vez de recente moda dos "vampirinhos bonzinhos".

Este livro levamos a conhecer um sonho de um homem chamado de Abner Marsh e que é considerado o homem mais feio da região, em construir o mais luxuoso e rápido barco a vapor do Rio Mississípi. Com a ajuda do noctívago Joshua York ele consegue realizar o seu sonho e construí  o magnífico Fevre Dream.

Para mim uns dos pontos fortes do livro são as duas personagens principais Abner e Joshua e a estranha relação que desenvolvem entre si. Destaco também o Damon Julian e o Sour Billy Tipton que são duas personagens que encaram o verdadeiro mau. Sendo que o Julian é um mestre vampiro com mais de 700 anos e Sour Billy o seu criado humano que deseja  desesperadamente ser vampiro .

Gostei muito das descrições pelo Martin a vida que havia num barco a vapor e a detalhada descrição das tarefas que cada pessoa tinha a bordo. O  ambiente que rodeia o Rio Mississípi também ajuda a criar um ambiente de suspense que leva o leitor a sentir os medos das personagens. O livro também falamos um pouco  duma das partes mais negras da história do homem a escravatura.

Sendo de uma leitura muito agradável e fluída este livro terá que obrigatoriamente ir para a estante de qualquer apreciador das obras do George R.R. Martin se bem que seja bastante diferente dos livros da Crónicas de Gelo e Fogo. Para mim é um livro a comprar. Recomendo!

Classificação: 8-10

Lição

Finalmente era Sábado. Hoje era dia de apanhar o comboio até Évora, e sentar-me com a Luísa nos degraus do spot do Bacelo e ver os skaters cair. Vamos como sempre ficar horas na conversa, entusiasmados com o que temos em comum. Assim espero eu pelo menos.
            Como era normal avisei o pessoal que só voltava à noite, já nem me perguntavam para onde ia. O meu sorriso dizia tudo. Depois de uma semana inteira a ouvir as bocas do costume e a ser perseguido pelos idiotas do costume é o dia em que sou livre. Cheguei à estação de Santa Apolónia bem cedo pela manhã. Quem já caminhou pelas ruelas de Alfama sabe que o cheiro nesta parte de Lisboa não é igual a mais nenhum. É com isso que me identifico com Évora, é o cheiro a história. Depois de comprar o bilhete, fui beber um café enquanto esperava pela hora da viagem. Peguei, como era normal, no jornal de sempre que estava preparado para satisfazer as curiosidades dos clientes. Falavam em reforços do Sporting, li com atenção as mesmas, pois acreditava que este seria o ano em que iriamos calar os lampiões. Depois reparei numa notícia acerca de uma chamada de telemóvel do primeiro-ministro que deu uma barraca qualquer e por último um balanço da operação de Natal da GNR. Mais uns quantos mortos. Era sempre igual, bebida e condução acaba quase sempre no caixão. Era o lema do meu pai, e um dos motivos pelos quais não bebia nem uma gota de álcool. Não ajudava à minha imagem na escola. Penso que esse não era o problema, mas sim o facto de ter mais que uns quilos a mais. Sempre fui duas coisas, inteligente e preguiçoso. As duas misturadas resultam em boas notas e gordura acumulada. Não sou um deus grego como as miúdas procuram, mas também não sou um monstro que deveria estar num labirinto. Bem, há dias em que me sinto como tal.
            A viagem começou, tinha duas horas pela frente. Agarrei no livro que tinha escolhido para hoje. Falava de um rapaz que tinha sido abandonado pelo pai e que mais tarde se tinha tornado assassino pessoal do rei. Era um bom livro e com duas horas, um café e pouco barulho na carruagem foi uma óptima viagem.
            O comboio começou a abrandar, e assim fechei o meu livro, estava quase no fim e mal podia esperar pelo próximo. Arrumei as minhas coisas, deitando fora o copo de café e os papéis dos rebuçados que comi. Sempre fui guloso. O comboio parou e rapidamente saí da estação. Senti o vento gelado na cara, o mesmo ar de Lisboa, ar com cheiro de história. Com os auscultadores nos ouvidos fui ouvindo 30 Seconds to Mars enquanto me desviava das pessoas apressadas. Consultei o telemóvel, ainda nada da Luísa. Era estranho mas talvez estivesse sem rede. Como queria voltar a ver o seu sorriso, aqueles olhos castanhos derretiam o meu mundo. Era como eu, gulosa e solitária. As vantagens da internet é conhecer quem tem precisamente os mesmos interesses que nós. O seu sorriso era do mais doce que tinha visto. Talvez mais ninguém olhasse para ela duas vezes na rua, mas para mim tinha uma aura que brilhava, irradiava felicidade na tristeza profunda que era o meu mundo.
            Cheguei,bocejando, aos degraus do Bocelo.Sentei-me à espera da minha musa,questionando-me se seria hoje que teria coragem de a beijar. Sabia que ela também queria, mas a vergonha e o profundo receio de alguma forma a desiludir e terminar com esta ilusão, fazia com que voltasse sempre para Lisboa sem conhecer o calor dos seus lábios.
            Já tinham passado 40 minutos desde a hora de sempre, e nem uma chamada no telemóvel. Não era normal. Resolvi telefonar, embora com algum receio de parecer paranóico ou possessivo. Nada. Tentei mais duas vezes e nada. Apesar de saber onde ela morava, não queria ir tocar à campainha. Podia aparecer o pai dela, e tinha depois em mãos uma tarefa complicada. Assim continuei a ouvir música, olhando para a zona dos skaters. Estavam estranhamente parados. Mais do que uma vez, os vi a olhar para mim, e nasceu no meu peito o receio imediato de que me viessem chatear. Nunca tinha tido problemas em Évora, a Luísa dizia que era do tempo. As pessoas eram mais solitárias e menos dadas a confusões. O meu professor de psicologia concordava com ela.
            Gotas de suor caíram ao longo do meu rosto, quando os vi a caminhar em minha direcção. Agarrei no telemóvel e comecei a escrever uma mensagem para a minha atrasada companhia.
-Então Luísa já te esqueceste de mim? Estou à tua espera nos degraus. Diz algo! Beijos. – Enviei.
            Nunca pensei em ficar aborrecido por ser rápido a enviar mensagens, mas a verdade é que o grupo ainda se aproximava de mim quando eu já tinha arrumado o telemóvel. Os neurologistas dizem que quando nos vemos numa situação de perigo eminente só temos duas reacções possíveis. Ou fugimos ou lutamos. Eu fugi, agarrei nas minhas coisas e comecei a correr. Durante a corrida ouvi gritos a pedirem que parasse, mas nunca o fiz. Já só tinha um perseguidor, percebi que ele não ia desistir e então parei. Cerrei os punhos encarei o mitra.
-Não tenho dinheiro! – Informei com cara de parvo, na realidade sentia-me parvo.
- Calma meu! Tu não és aquele miúdo de Lisboa que se vem abancar com a Luísa ali nos degraus e se riem das nossas quedas? – Perguntou com uma cara estranha
- Costumamos ficar ali sim, mas não nos rimos de vocês! – Menti com medo
- Não faz mal, é um desafio! Quando não se riem é porque estamos a fazer bem! Mas não era por isso que vínhamos ter contigo. – Disse com uma estranha tristeza no olhar.
- Então era porquê? – Perguntei desconfiado e incomodado com a cara do rapaz.
- Sabes, nós conhecíamos a Luísa lá da escola. Andava sempre sozinha, mas isso era porque gostava muito de ler e de ser ela própria e aqui ninguém tem paciência para conhecer quem não seja da mesma onda. Mas mesmo assim gostávamos dela. Mais que uma vez nos safou trocos para um maço de tabaco. Dizia que ainda nos havia de matar. – Explicou-me
- Espera lá – Disse com o estômago estranhamente nervoso – Porquê é que estas a falar da Luísa no passado? –Perguntei genuinamente confuso.
- Era por isso que estava a correr atrás de ti. A Luísa teve um acidente de carro ontem à tarde. Ela e a mãe acabaram por morrer. – Disse sem conseguir olhar para mim.
            Não esbocei qualquer resposta. Sabia que era estranho não ter notícias dela, mas pensei que estava sem saldo ou algo parecido. Talvez até de castigo por ter discutido com o pai no início da semana. Mas morta? Corri o mais depressa que pude para longe do augúrio da desgraça que tinha sido aquele rapaz. Fui até à casa dela, e o que vi. Não tenho palavras para descrever. À frente do portão da casa, estavam várias coroas de flores. Fotos da Luísa e de uma senhora que compreendi ser a sua mãe. As lágrimas que corriam pelo meu rosto em nada se comparavam ao vazio que sentia dentro de mim. Só conseguia pensar no beijo que não lhe tinha dado e nas brincadeiras que tinha tido medo de ter. Pensei em tudo o que perdi por não ter coragem. Foi o meu primeiro amor. Dizem que é único, tenho a certeza que não amarei mais ninguém como amei aquele anjo de olhos castanhos e sorriso de mel. Como me arrependo agora de não ter arriscado ser feliz. 


Por: Miguel Brito

27 de outubro de 2010

Um conto para um Corvo aniversariante

Parabéns Fiacha! E muito obrigado por tu e o autor anónimo do conto me terem deixado publicá-lo aqui.


Conto:



O sol desaparecia na linha do horizonte, quando os guardas junto da porta da cidade
avistaram alguém. Examinaram a figura que se aproximava com um olhar perscrutador,
quase de pálpebras cerradas; tratava-se de um solitário sobre o dorso de um garanhão de
pêlo lustroso.
O desconhecido refreou a montada, quando as lanças dos guardas se cruzaram na sua
frente, impedindo a sua entrada na cidade.
- O que te traz aqui forasteiro? – Perguntou um dos guardas.
- Estou apenas de passagem. Não vim para arranjar problemas, apenas procuro um
quarto para pernoitar.
Os guardas entreolharam-se e permitiram a passagem daquele homem, cuja capa
empoeirada escondia a espada que carregava.
À medida que percorria as ruas da cidade, aquele homem sentia os olhares curiosos
lançados por aqueles com quem se cruzava.
Não tardou a encontrar o que procurava; Uma tabuleta com um corvo negro
desenhado, baloiçava quando tocada pelo vento sobre a porta de uma taberna.
Apeou-se. O ruído proveniente do interior da taberna era ensurdecedor. Com passos
seguros avançou para a porta que empurrou, entrando. O fumo dos charutos e cigarros
impregnava o ar tornando-o abafado, quase irrespirável.
Dirigiu-se ao balcão.
- Uma caneca de rum – pediu.
O taberneiro, um homem alto, magro de queixo proeminente e pele pálida colocou
uma caneca à sua frente.
- Nunca o tinha visto por cá… - referiu enquanto enchia a caneca.
Aquele homem manteve-se em silêncio, como se não tivesse escutado as palavras que
lhe haviam sido dirigidas. Pelo canto do olho fixava algo ou alguém.
- Chamam-lhe o Melga – Ouviu.
Agarrou na caneca levando-a aos lábios para beber um trago. Ao pousá-la olhou
directamente nos olhos do taberneiro.
- O que sabe sobre ele?
O taberneiro olhou disfarçadamente para um canto sombrio onde se encontrava um
homem que trajava de negro. Sentada no seu colo estava uma mulher de longos cabelos
loiros e vestido vermelho.
- Chegaram há pouco tempo à cidade. Ouvi rumores que armaram confusão numa
outra taberna. Parece que um tipo se meteu com a mulher – tornou a encarar aquele com
quem falava – Farejo sarilhos e acredite que isso é tudo o que aqueles dois cheiram.
O forasteiro tirou do bolso duas moedas de prata, que atirou para cima do balcão
dizendo que era para cobrir os prejuízos. Antes que o estalageiro pudesse colocar-lhe
qualquer pergunta, pegou na caneca, dirigindo-se para a mesa do casal.
- Desta vez foi mais difícil seguir-te o rasto, Melga – disse pousando a caneca sobre
a mesa.
Aquele a quem ele dirigira aquelas palavras esboçou um sorriso trocista.
- Será que não desistes, Fiacha Sun?
O recém-chegado puxou de uma cadeira, sentando-se de frente para o outro.
- Jurei que te ia levar para forca a que foste condenado e garanto-te que o farei.
A mulher inclinou-se sobre a mesa, permitindo a Fiacha ver os seus volumosos seios.
- Estás a ser desmancha-prazeres – disse com uma voz sedutora.
- Tens duas escolhas ou voltas comigo a bem, ou serei forçado a levar-te à força –
foram as únicas palavras de Fiacha, ignorando a loira.

Aquele que era conhecido por Melga soltou uma gargalhada estridente, afastando a
mulher do seu colo.
- Nunca me levarás de volta àquela cela – afirmou levantando-se.
Fiacha desviou-se da cadeira que o outro arremessou contra si, antes de puxar da sua
espada travando a investida daquele que perseguia sem descanso há várias semanas,
depois de este ter escapado da prisão.
Rapidamente alguns homens se aproximaram com facas na mão. Fiacha lançou-lhes
um olhar cortante que os fez recuar; afinal aquela luta não era deles.
- Nunca me apanharás! – Melga afastou a sua espada do contacto com a de Fiacha
para desferir nova estocada.
Fiacha travou facilmente a investida do oponente e num movimento veloz ripostou.
Uma chuva de fagulhas incandescentes espalhou-se pelo ar aquando do contacto das
lâminas de aço.
- Não me consegues vencer – disse.
A cólera apoderou-se de Melga, que tornou a investir uma e outra vez contra Fiacha.
Mas por mais que o tentasse, era incapaz de desferir um golpe que ceifasse a vida do
oponente, que de alguma forma parecia ser capaz de antecipar todos os movimentos do
adversário, travando-os sem dificuldade.
A loira olhou em redor. Tinha de ajudar Melga. Agarrou numa outra cadeira
avançando para Ficha.
Os lábios de Fiacha alongaram-se num sorriso. Baixou-se ao mesmo tempo que a
mulher arremessava a cadeira contra ele.
Num movimento rápido, Fiacha rodou sobre os calcanhares enlaçando a cintura da
loira para a puxar contra o seu corpo.
- Mereces uma vida melhor que esta – segredou-lhe antes de a empurrar para longe.
Quando olhou em frente Melga tinha desaparecido. Procurou-o, vendo-o deixar a
taberna.
- Raios! – Vociferou partindo no seu encalço.
As sombras da noite já engoliam a cidade. Melga corria pelas ruas empurrando
violentamente todos aqueles que cruzavam o seu caminho. Fiacha seguia-o. Melga tirara
a vida de inocentes e não ia permitir que não pagasse pelo seu crime.
Melga estacou ao deparar-se com um beco sem saída. Num impulso rodou sobre si.
O seu coração pulsava acelerado.
- Acabou, desta vez não tens por onde fugir nem ninguém para te ajudar – disse
Fiacha.
- Maldito! – Gritou Melga, apertando o punho da espada.
Fiacha seguia-o sem descanso, a única forma de se ver livre dele de uma vez por
todas era acabando com a sua vida.
- Morre! – Berrou.
Os olhos de Fiacha semicerraram-se seguindo o adversário que corria na sua direcção
com a espada em riste.
A espada de Melga cortou o ar visando o peito do oponente. Um grito ecoou pelo
beco. A mulher de cabelos loiros viu a espada de Melga ser-lhe arrancada da mão com
um golpe firme e preciso. Fiacha endireitou-se fixando o rosto daquele que desarmara e
que recuava com uma expressão de medo na face.
- Chegou a hora de pagares pelo teu crime – disse avançando para Melga que
se deixava cair de joelhos como se tivesse finalmente percebido que não havia fuga
possível.
Os punhos da loira cerraram-se. Correu para Fiacha saltando-lhe para as costas. Um
dos seus braços apertou-se em redor do pescoço deste, numa tentativa de o sufocar.
- Foge! - Gritou para Melga.

Este não hesitou. Fiacha puxou de uma faca presa ao cinto ao mesmo tempo que
recuava contra a parede, fazendo a loira chocar violentamente contra esta.
- Não vais tornar a escapar – disse atirando a faca que se entranhou numa das pernas
de Melga.
Libertou-se da loira, que caiu gemendo e aproximou-se com passos lentos do homem
que tentava tirar a faca da perna.
- Eu disse-te que não ias escapar.
Pouco depois Fiacha Sun deixava a cidade, levando Melga amarrado na garupa do
seu cavalo de volta à aldeia onde a forca o esperava pelos crimes que cometera.

26 de outubro de 2010

O Anjo Branco



Sinopse:


A vida de José Branco mudou no dia em que entrou naquela aldeia perdida no coração de África e se deparou com o terrível segredo. O médico tinha ido viver na década de 1960 para Moçambique, onde, confrontado com inúmeros problemas sanitários, teve uma ideia revolucionária: criar o Serviço Médico Aéreo. 

No seu pequeno avião, José cruza diariamente um vasto território para levar ajuda aos recantos mais longínquos da província. O seu trabalho depressa atrai as atenções e o médico que chega do céu vestido de branco transforma-se numa lenda no mato. 

Chamam-lhe o Anjo Branco. 

Mas a guerra colonial rebenta e um dia, no decurso de mais uma missão sanitária, José cruza-se com aquele que se vai tornar o mais aterrador segredo de Portugal no Ultramar. 

Inspirado em factos reais e desfilando uma galeria de personagens digna de uma grande produção, O Anjo Branco afirma-se como o mais pujante romance jamais publicado sobre a Guerra Colonial - e, acima de tudo, sobre os últimos anos da presença portuguesa em África.

Novas fotos da minha estante


Ficam aqui algumas fotos actualizadas da minha estante. Espero que gostam. 









Roger

Anos, demorou anos para tomar esta decisão. Enquanto olhava para a parede do passado que tinha na sua caravana interestelar, Roger podia ver todas as imagens importantes da sua vida. Enquanto revia as imagens do seu casamento, não podia deixar de comparar o homem das fotos com o de hoje. Os olhos ainda eram castanhos, mas a magoa que neles vivia, era assustadora. O seu cabelo ainda era preto, mas bastante comprido, formava uma trança que prendia com um pedaço de lenço vermelho que tinha pertencido à sua mulher.  Depois de tudo o que tinha acontecido, não a conseguia odiar. Ela refez a sua vida, ele apenas procurou o passado. Era bonito que pensasse assim, mas na verdade era apenas mais uma mentira. Na terra sempre se disse que o amor e o ódio estão separados por uma linha muito ténue, neste caso a linha é outro homem e um filho. Não tão ténue assim. Tinha vontade de falar com alguém, mas apenas Zedorm, o seu antigo dono, parecia estar disponível para ele. Por muito que tivesse sido um bom amigo, lhe tivesse dito onde estava Anna, e lhe tivesse dado o compasso mágico, nunca lhe conseguiu perdoar a escravatura. Todos os seres que tinha encontrado, apenas alimentavam o seu ódio por tudo o que era a sua vida. Aquele caranguejo peludo tinha boas intenções, mas não era mais que o recordar de um pesadelo do qual nunca acordou. Foi sentar-se na cadeira de comando, nunca pensou conduzir uma nave espacial, muito menos com um capacete que o fazia por controlo mental. Mas ali estava ele, a vaguear pelo espaço como fazia há muitos anos. Não tinha um destino, não tinha para onde regressar. Ainda tinha pensado em visitar a terra, mas soube que a Lua foi destruída para aproveitar um minério raro no universo e que tal destrui a Terra. Não chorou nesse dia. Já não tinha lágrimas. Numa das suas viagens, olhou para aquilo que na Terra se chamava de buraco negro. Sentia-se de alguma forma atraído para ele, não o sabia explicar. Talvez estivesse com uma depressão, mas já não havia psicólogos a quem recorrer. Suspirou, e olhou para a sua nave, era surreal. Era como um parque de diversões, onde as zonas para comer e dormir eram tão estranhas que nem pareciam funcionais. A sua cama, ou espécie de, era uma esfera com um líquido vermelho, tinha propriedades relaxantes e energéticas. Duas horas garantiam um descanso indiscritível. Tinha um controlo remoto, onde podia escolher o que sonhar, ou se bloqueava os sonhos. Há anos que esta servia para os bloquear. A sua cozinha era ainda mais indiscritível. Só tinha de se deitar numa superfície rectangular de cor esverdeada, pensar no que gostaria de comer, e imediatamente sentia o sabor dessa refeição. Duas seringas tratavam de se ligar ao corpo para injectar os nutrientes necessários para o bom funcionamento do mesmo. Era a cura para a obesidade sem abdicar das pizzas, perfeito. Mas tudo o que Roger comia era bolo de casamento. Já não aguentava mais a pressão, lágrimas que já não tinha criavam enxaquecas terríveis. Era uma vida triste e solitária. Foi então que tudo fez um terrível sentido na sua cabeça, estava farto. Pronto para ir embora, tudo havia de ser melhor que esta vida. Nunca tinha acreditado muito em Deus, muito menos depois de ter visto o que vinha realmente do céu. Mas até o inferno seria melhor a uma existência tão solitária. Só tinha do pensar. Ligou o capacete dos comandos, sentou-se numa espécie de pufe amarelo, feito de um material que nunca tinha visto, mas que proporcionava um conforto fantástico. Zedorm tinha proporcionado todos estes luxos, mas mesmo assim não era com um sorriso que relembrava o seu comprador. Buraco negro. As duas palavras mágicas que surgiram na sua cabeça e em segundos, estava a caminho de um. Ao chegar ao destino pensado, percebeu que nunca tinha tido dúvidas. As cores que circundavam a entrada eram de uma beleza hipnotizante, mas a última vez que uma cor o fez, foi o verde dos olhos da Anna. Pensou apenas em entrar. Nem um nervoso miudinho se apoderou dele. Ao entrar a descarga eléctrica que a nava sofreu foi avassaladora. Enquanto sentia tudo a girar, podia ver um milhão de cores diferentes, raios eléctricos que tão depressa eram azuis como eram verdes, era energia pura. O que se passou a seguir, foi incrível. Em vez da morte que esperava, viu apenas um céu estrelado. A nava descontrolou-se e partiu ao meio, era de titânio, não era suposto. Entrou em queda livre, sentia o ar a tornar a respiração pesada. O desespero tomou pela primeira vez conta dele. Enquanto o mundo se tornava mais rápido à sua volta não conseguiu ignorar uma rocha flutuante com árvores de um púrpura brilhante. Foi tudo o que viu, perdeu a visão segundos antes de perder os sentidos, a última coisa que pensou foi que era uma pena morrer sem ver aquelas árvores de perto. Na verdade não sabia que ia viver naquelas rochas…

Por: Miguel Brito

Invasão

Amor. É nisto que se centra esta história. Começa há vinte anos atrás, ou na verdade vinte e cinco. Roger era um jovem de uma beleza subtil. Olhos castanhos, quase cor de âmbar, contrastavam com a sua pele branca. Os seus cabelos pretos tornavam a sua cara algo engraçado de se ver, uma mistura que não era harmoniosa, mas agradável. Tinha conhecido Anna num café, os seus olhos verdes tinham sido a sua perdição. A pele morena, que realçava a beleza do seu cabelo ruivo, tinha um tom mágico. Ficou apaixonado quando a viu, quem não ficaria? Uma ou outra frase de engate, um número de telemóvel trocado. Quantos de nós já não ouvimos esta história? Bem o resultado final é que cinco anos depois estavam casados, felizes e mais apaixonados que nunca. Mas o dia I chegou. Numa manhã calma, Roger e Anna viram a vida mudar completamente. O céu azul ficou por momentos negro, as naves extraterrestres estavam a atacar a terra. Não tivemos qualquer hipótese. Em menos de uma semana todos nós éramos escravos. Lembro-me que o Roger me disse que apertou as mãos da Anna com tanta força, que tinha medo de a ter magoado, mas foram separados. Após ter sido colocado na nave escura e fria onde milhares de outros homens estavam, Roger chorou. Tal como todos os outros foi colocado nu, numa gigantesca arena. Penso que me disse que se parecia com um campo de futebol sem balizas. Um a um foram arrastados para o estrado onde decorria o leilão. Formas tão estranhas como humanóides cor-de-rosa com três olhos ou espectros sem carne mas com forma ofereciam dinheiro pelos escravos. Na altura Roger não sabia que eu estava entre os compradores. Quando vi aquele jovem, pensei que tinha uma expressão triste. Na altura não percebi que todos a tinham, o seu mundo tinha acabado, nunca tinham tido uma prova da existência de outros seres e de um dia para o outro estavam a ser escravizados por eles. Famílias destruídas e esperanças para sempre perdidas. Ao ouvir a apresentação deste escravo, disseram que era professor de história. Pensei que seria o escravo certo para me contar tudo sobre este povo. Licitei, e como havia milhões de escravos, o valor que paguei foi baixo. Na verdade sei hoje que paguei uma ninharia por um amigo tão valioso. Roger ficou com medo quando me viu. Um dia disse-me que a primeira coisa que lhe passou pela cabeça foi que eu era um caranguejo peludo como uma aranha com olhos de águia. Até hoje não sei se foi um elogio. Estivemos juntos três anos. Foi o suficiente para que ele me contasse toda a história do seu povo nunca me vou esquecer da forma estranha como se sentava naquilo a que chamava de sofá e com os olhos muito vivos me explicava tudo mentalmente. Os humanos são curiosos, destrutivos e perigosos. Mas quando amam, ensinam ao universo como se faz. Ao final da última história, pela qual confesso que me senti envergonhado, o dia I como lhe chamava, o dia da Invasão, acabei por lhe conceder a liberdade. Foi o primeiro humano livre em todo o universo. Dei-lhe muito dinheiro, penso que é assim que lhe chamava o Roger. Ele comprou uma nave espacial. Último modelo. Dizia que era a sua caravana interestelar. Sei que procurou Anna durante anos, ele não sabia que mesmo aos olhos dos da minha raça, o meu tempo estava a terminar. Então envergonhado por todo o seu sofrimento descobri onde estava Anna. Pertencia ao Klugh, chefe da raça detestável dos Miltrork, conhecido como o Coleccionador. Este tipo era estranho mesmo para mim, tinha cinco cabeças, unidas a um corpo com mais de três metros de altura. Os seus quatro braços eram capazes de tão depressa partir uma rocha de titânio como retirar os espinhos a uma rosa terrestre. Através do teleporte visitei por uma última vez Roger. Disse-lhe onde podia encontrar Anna, e ofereci-lhe uma prenda muito especial. Quando não soubesse o que fazer, a prenda faria por ele. Penso que não me percebeu. Sempre me considerou muito exótico, não deve ter sido fácil durante anos ter conversas dentro da sua própria mente, visto que não sou capaz de comunicar por aquilo a que vocês chamam palavras. Também não podia ouvir as mesmas. Não tenho ouvidos. Roger dizia-me que se pudesse ouvir música iria perceber quanto são especiais os humanos. Na verdade ter conhecido Roger mostrou-me precisamente isso. Não o soube por ele, mas sei que viajou até à estrela azulada de Klother onde o Coleccionador vivia. Sei que o seu palácio estava protegido por um alarme de defesa mágico onde as paredes ásperas evitavam a entrada aos intrusos, labirinto, era essa a palavra que Roger usava para descrever algo difícil de encontrar a saída, como o do Minotauro. A prenda que lhe dei era um objecto que permitia desenhar uma porta circular, que tinha o poder de abrir o caminho através de toda a magia e protecções do universo. Todo o meu dinheiro foi gasto nisto, e lembro-me que o Roger olhou para mim e me perguntou para que iria precisar ele de um compasso. Sei que descobriu para o que servia. Sei que encontrou Anna. E sei que isso foi o seu maior desgosto. Foi-me dito por um membro do palácio do klugh. Ao que parece Anna conheceu outro humano escravizado enquanto estava em Klother. Esqueceu o meu fiel companheiro e formou nova família com o tal humano. Não quero pensar nas lágrimas, nome curioso para a água dos olhos, que Roger derramou ao ver aqueles olhos verdes a recusarem todo o propósito da sua busca. Por Amor, Roger fugiu, sei que vagueou sozinho pelo universo durante anos, sei que mais tarde se dirigiu a um buraco negro e sem hesitações transpôs o mesmo. Posso apenas imaginar o que sofreu nos últimos anos, mas com ele aprendi o que significa ser “humano”. Está é a última entrada que faço no vídeo blog, com o aparelho de tradução terrestre. Quero que todos conheçam a sua vida, e o quanto ele amou e sofreu. Se o céu dos humanos existir espero mais tarde estar a conversar com o meu melhor amigo. Outra palavra que aprendi com aquele que um dia foi meu escravo.

Por: Miguel Brito